Obrigado por fumar


Quando eu vi pela primeira vez o cartaz do filme “Obrigado por Fumar” imaginei que seria mais um daqueles documentários, a lá Michel Moore, com chatices como o número de fumantes do mundo, quantas pessoas morrem, os impactos sociais e econômicos do cigarro na nossa época ou imagens de pessoas doentes e pulmões acabados por causa do tabaco. Coisa que todo mundo está cansado de saber e que, efetivamente, não faria nenhum fumante parar de usar seu cigarrinho. Aliás, só serviria para o espectador, depois de uma hora, descansar seus olhos enquanto o off interminável da lição de moral ainda continuava. Essa minha idéia sobre o filme durou até a primeira cena.

A forma como o eixo narrativo se desenvolve nas linhas de Christopher Buckley (autor do livro que baseou o filme) até chegar a uma crítica à sociedade capitalista moderna em que somos guiados pela propaganda e onde a certeza é baseado em preceitos da ciência, é genial. A narrativa faz-se valer de um personagem que está dentro desse sistema e mostra de forma cínica, cômica e às vezes dramática o seu modis operandis para convencer as pessoas a usarem cigarros. A escolha por um personagem complexo que tenta convencer o tempo todo o espectador que ele é o mocinho, ao mesmo tempo em que as suas ações demonstram uma flexibilidade moral imensa, até chegar ao final quando pensamos que ele finalmente se redime e ele demonstra mais uma vez a sua personalidade, é a cereja do sorvete dessa história brilhantemente pensada. Não poderia haver estréia melhor para Jason Reitman na direção de longas. Primeiro porque, em tempos do “politicamente correto”, adaptar essa a obra de Christopher Buckley para as telinhas foi uma tacada de mestre.

Para um bom livro funcionar no cinema ele tem que assumir uma nova forma ao ser jogado nas telinhas. E aí que entra todo o mérito de Reitman. A escolha de Aaron Eckhart e a sua interpretação do personagem princiapal, o Nick Naylor é um dos pilares em que o filme se sustenta. O ator consegue personificar o lobista das empresas de cigarro que tenta o tempo todo convencer as pessoas que fumar não mata ao mesmo tempo em que as chantageia para melhorar a imagem do seu produto na mídia. Além disso, a narração feita pelo personagem principal e a forma como o longa é guiado dá uma sensação que mistura cinismo com comédia, algo que o seriado “Os Simpsons” faz brilhantemente. E esse cinismo todo ganha força, porque no final das contas o diretor conseguiu, numa tacada só, criticar as indústrias de cigarro, a política norte-americana e a mídia, principal cúmplice e objeto de manipulação do personagem principal. Isso sem ser chato e fazendo com que o espectador não desgrude um minuto os olhos da telinha.

E se alguém pensar que, porque é engraçadinho as críticas são superficiais, se engana. Não o são. Reitman consegue chatear os empresários do cigarro quando mostra claramente que eles não têm o mínimo interesse na saúde e na recuperação das pessoas, o que eles querem mesmo é que elas fumem e que novas pessoas se viciem no tabaco e toda aquela balela de dinheiro investido para a recuperação de fumantes, não passa de pose para melhorar a imagem das empresas na mídia. O diretor consegue ser cruel com o sistema de comunicação de massa quando demonstra o quão facilmente Nick Naylor conseguia manipular os programas de televisão a seu favor, por meio do seu carisma, além de conseguir subornar um produtor de Hollywood para exibir em seu filme protagonistas fumando, a fim de fazer propaganda para o seu produto. E quanto à política norte-americana é genial quando mostra a fraqueza das liberdades individuais tão pregadas pelos Estados Unidos e facilmente manipulada por meio da propaganda, além de toda a hipocrisia dos políticos-empresários norte-americanos incapazes de reconhecer os seus próprios erros.

O filme é uma bela narrativa sarcástica que rende boas risadas e ótimas reflexões. Um ponto positivo para o estreante Jason Reitman que conseguiu, sem ser chato, fazer um belo longa sobre os problemas do fumo e da sociedade norte-americana pós moderna.

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