Lição Pernambucana

Com temperaturas médias de 15 graus Celsius no inverno, Garanhuns é o principal centro cultural de Pernambuco durante o mês de julho. Isso porque durante duas semanas a cidadezinha localizada no Planalto da Borborema, a 230 km de Recife, realiza seu famoso Festival de Inverno. Conhecido pela diversidade da programação e por trazer grandes atrações musicais, o evento ocorre anualmente desde 1991 e leva uma legião de turistas para a cidade e é parada obrigatória no chamado circuito do frio pernambucano.

O festival é divido em palcos e pontos de cultura espalhados em vários locais de Garanhuns, cada um deles com uma programação específica e o principal (Guadalajara) é que recebe os 'músicos de grande porte' durante a noite. A programação dos palcos varia entre música instrumental em alguns e até música gospel em outros, sem esquecer, é claro, do forró e de músicas folclóricas. Estima-se que durante os 15 dias, a pequena 'Suiça Pernambucana' de pouco mais de 160 mil habitantes receba cerca de 1 milhão de turistas para ver o festival, curtir o frio e aproveitar a cidade.

O grande diferencial do Festival de Inverno, pelo menos o desse ano, é que ele não se limita a simples apresentações musicais, sarais poéticos ou apresentações de teatro, existe uma preocupação com a formação cultural das pessoas. Nos pontos de cultura acontecem oficinas e debates com o objetivo de gerar um intercâmbio cultural entre as pessoas e os convidados vindos de outras regiões. E, pelo que li, se debate desde música independente e os festivais alternativos até rádios comunitárias. Um belo pedaço de carne de sol suculento no prato que é a programação do Festival.

E o melhor é que as pessoas efetivamente participam do evento. Para quem pensa que o público de lá vai só por causa das grandes bandas está enganado. As atrações locais, tanto folclóricas quanto as pops, são muito bem recebidas e os palcos estão sempre lotados. Aliás, vale frisar que o povo pernambucano nutre um tipo de orgulho peculiar quanto a produção local, lá eles efetivamente prestigiam e aplaudem o que é de casa. E ai de quem falar mal da cultura pernambucana com algum nativo... Lição que cidades como Natal deveriam aprender.

É bom observar que a ação do poder público na cultura em Pernambuco é um dos determinantes para esse 'afã' que o pernambucano tem pela sua terra. O Festival de Inverno, por exemplo, é patrocinado principalmente pela prefeitura e pelo governo estadual. Pelas bandas de lá, nos colégios, os alunos desde cedo aprendem as danças típicas, conhecem os grandes nomes da cultura pernambucana, são levados a gostar do que é produzido na sua terra. Bem diferente do que acontece aqui onde as crianças (e adultos também) mal sabem quem foi Câmara Cascudo ou tem algum tipo de orgulho da cultura local.

Fora isso a prefeitura de Garanhuns está de parabéns. O policiamento da cidade e a preocupação com a limpeza são marcantes, mesmo com a falta de educação das pessoas; que não param de jogar o lixo no chão. Por volta das 5h da manhã recolhem todo o lixo da cidade e deixam tudo limpinho para o outro dia. E, depois de turista, policial é o que se mais vê nas ruas. Resultado: shows com públicos de 70 mil pessoas, sem maiores problemas.

Mas como nem tudo são flores, a produção peca quanto a divulgação do que acontece na cidade. A programação divulgada está dividida por palcos, não por dia, o que dificulta para o turista, além disso, não há orientação de como chegar aos palcos. Ou seja, se você não conhece Garanhuns, provavelmente irá se perder. Sorte é que a cidade é pequena. Falta também um site oficial com toda a programação do evento (pelo que pesquisei, só tem a do ano passado), notícias, fotos e orientações para turistas. Aliás, esse trabalho de assessoria parece ser feito só pelo site oficial do município e, desde sábado, pelo portal Nação Cultural, lançado durante o show de Nação Zumbi.

Apesar disso, o que Garanhuns faz devia servir de exemplo para as outras cidades do nordeste. Aliás, na verdade, o que Pernambuco faz pela sua cultura deveria servir de exemplo. É bonito para alguém que vem de Natal, onde fazer cultura é ser herói, tanto por causa da deficiência de políticas públicas para formação de platéia na cidade, como pela insensibilidade do empresariado local, ver uma cidade do interior com 15 dias no ano destinado a cultura e trabalhar durante esse período a diversidade e a formação. Isso faz acreditar, pelo menos para mim - um otimista nato -que fazer cultura não é tão difícil como dizem. Basta querer.

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