Batata

Parecia uma celebridade. A multidão acotovelava-se diante de uma grande porta branca que tinha um cartaz na frente escrito em vermelho: É permitida apenas a entrada de funcionários no local. A batata era a coisa mais falada e esperada do supermercado até então.. Vez ou outra, alguma das senhoras, baixinhas e com óculos, impaciente gritava "a batata ai demorar!?" para algum dos funcionários, vestidos de brancos e que tinham livre acesso a porta da felicidade. O silêncio dos funcionários era enigmático.

De súbito, sai um homem com cinco sacos cheios de batatinha inglesa. Os seus colegas atrás dele abrem sorrisos. E a multidão, enfurecida, quase derruba o pobre funcionário e consegue, ainda que no chão, abrir a unhadas ferozes uma das sacas. O pobre funcionário, assustado, volta para o interior do seu refúgio. Eram corvos descontrolados catando cada batata que viam. Não havia tempo sequer para respirar, se não perderia as batatas. O saco assistia, despedaçado, a fúria de vários seres humanos, principalmente do sexo feminino, catando enlouquecidamente os tubérculos que ele carregava.

Os mais fracos e os que não se dispuseram a "virar mundiça", como reza o vocabulário local, reclamavam atrás dos corvos que as batatas mal sairam de perto da grande porta e que só alguns poucos tiveram a oportunidade de catar uma daquelas maravilhas. Dentro da sala, pela porta transparente, dava para notar que os trabalhadores do supermercado estudavam a melhor forma de passar pela multidão e depositar as batatas no lugar em que elas deveriam ficar. Um, corajoso, dispõe-se a levá-las em bacias quadradas. Ele espera a multidão esvaziar o saco, estralhaçado no chão, e sai, corajoso, por entre homens, mulheres e crianças insandecidos para pegar uma batata. Já próximo do seu destino, alguém, com certeza mais apressado, enfia a mão em uma das bacias e o povo, invejoso da inteligência e da rapidez de fulano, repete a sua atitude. Resultado: o pobre do funcionário quase despenca no meio da multidão segurando quatro bacias lotadas do vegetal precioso. Por pouco não acontece uma tragédia da batata no Rede Mais Ponta Negra.

Essa cena eu tive o (des)prazer de ver hoje, de perto, enquanto aproveitava a liquidação de aniversário (?) do supermercado Rede Mais, próximo da minha casa. Nunca vi supermercado mais lotado. Pudera, a maioria dos produtos estavam bem abaixo do preço normal. As batatas, por exemplo, custavam a bagatela de 29 centavos o kilo. O que deve ter movimentado, com toda a certeza, o comércio de vendedores de batatas-fritas das paradas de ônibus e locais de grande concentração de público em Natal. Batatas-fritas, aliás, muito gostosas, apesar da excessiva quantidade de óleo e do modo, digamos, natural que elas são preparadas.

Essa promoção ocorreu mais mesmo por causa da inauguração do hipermercado Extra, ao lado do nosso querido e simpático Rede Mais. O Extra tem o dobro da extensão do Rede Mais e ainda por cima, faz parte de uma rede de supermercados brasileiros riquissima e presente em quase todos as grandes capitais brasileiras. Exatamente por isso e pelos lucros altíssimos que a rede deve ter, faz possível que ela entre em competição de igual para igual com os também gigantes Hiperbompreço (comprado pela multinacional Wal-Mart) e o conhecido Carrefour. Os mercados menores, como o Rede Mais e o Nordestão (não tem nem site), os únicos remanescentes desde a chegada do Carrefour em Natal, há cerca de 10 anos, tem que apelar para promoções loucas e clientes fiés para se manterem no mercado. Se não, terão o mesmo destino que outros tantos supermercados de empresas menores tiveram: a falência.

Enfim, não vou dar uma de defensor dos pequenos supermercados, nem criarei uma ONG para isso, mas o que me dói mesmo foi não ter levado a minha câmera para registrar em fotos o que eu vi no Rede Mais agora pouco.

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